Mais um dia fui novamente indagado sobre minha possível crença no amor. Toda vez que essa questão reparece me recordo de uma dia em específico.
Era um dia de céu cinzento, da cor do cimento. Estava eu parado na mesma estação de ônibus. Esperando. Até que chega o então esperando transporte. Evidentemente enferrujado, daqueles que você se pergunta: "nossa como ele ainda anda?". E mais, encontrava-se ainda mais lotado. Ao ponto que indagaria mais: "como continua andando assim?". Bem, após esperar umas pessoas descerem, subi no então objeto de locomoção.
Era relativamente espaçoso. Os bancos velhos eram descompassados. As duas fileiras de cadeiras, estavam divergentes em sua simetria. A fileira da direta se posicionava uns centímetros a frente da fileira da esquerda. Sentei na última delas.
Logo, observei uma linda menina na cadeira do outro lado, mais a direita, e um pouco mais a frente que a minha. Senti uma paixão flamejante e profunda em segundos, como se o sentimento me afogasse numa alegria profunda de ter visto ela. Passando alguns minutos, notei que ela olhava também para minha posição, contudo, olhava para a direita. Sendo que era um pouco mais a diante. O que ela buscava? Então, olhei para a cadeira da minha frente, e assim encontrei a razão do olhar dela. Havia um homem, alto, e de grande porte físico na minha frente. Fiquei envergonhado e olhei para baixo.
Passando alguns minutos, voltei a olhar ela. Notei como ela estava vidrada nele, assim, como eu estava minutos atrás por ela. Contudo, vi que ele não a correspondia. Mas estava também paralisado olhando um pouco mais adiante, vidrado na mulher que vinha sentada pouco mais a frente da menina que estava olhando para ele.
E notei logo de extrema curiosidade. Em cada banco, tinha uma pessoa. E cada uma delas observava atentamente a que estava posicionada na outra fileira, em oposição a sua cadeira. Era como se todos os olhares formassem um zig-zag ad infinitum. Fiquei triste e ao mesmo tempo aterrorizado. Era como se cada um, paralisado observado o outro, não tinha capacidade de notar que estava sendo observado.
Repentinamente, o ônibus parou. E subiu todo encharcado um ser alto, cabelos compridos e de forte cor escarlate. Seu chapéu tampava o seu rosto, e seu sobretudo pingado da chuva que agora caia la fora, molhava cada passo que este dava no transporte enferrujado.
Olhei para baixo logo, odeio quando esses seres estranhos sentam do meu lado, contudo, foi ao meu lado que foi escolhido.
E com uma voz roca e sombria que este me perguntou:
-"você acredita no amor?"
Fiquei inicialmente meio desconcertado, fingido que não era comigo, mas ai rapidamente este me bate no braço indagando novamente, me forçando uma resposta.
-"Não sei..."
E continuou
-"vai dizer que você não notou o que se passa nesse ônibus?"
Rapidamente me virei para sua direção. Alguém mais havia notado o que eu tinha percebido.
-"Sim sim, você também notou?" - disse eu, observando agora sua face extremamente pálida, e ainda, relativamente úmida pela chuva.
-"Apesar de aparecer, você não esta sonhando. Esse ônibus é apenas uma parcela do que acontece entre vocês, Oh seres mortais. Nunca conseguem notar quando alguém vos ama. Vivem apenas um megalomania de buscar o absurdo, o impossível. E tudo isso é formado pela total ignorância que todos vocês, mortais, tem de si. Se não tivesse o tanto desejo de serem deuses, de serem imortais, e ambições megalomaníacas, jamais estariam tão alienados assim..."
- "Mas", interrompi sua fala "a primeira, veja! Não observa ninguém, talvez ela não esteja alienada."
Um berro horrendo saiu de sua face cadavérica
-"Pobre alma! Aquela esta pior de todas. Observa o infinito, deseja o absoluto. Esta crente que no fim dessa estrada que nunca ira acabar, haverá alguém em algum lugar, em algum tempo, que ela vai amar. Ela é daquelas que diz que nasceu no tempo errado, que esta no lugar errado, que ninguém a entende, que cobra muito de todos, sem nunca dizer que esta errada. Aquela é praticamente um personagem literário, ela crer nisso, e que um dia, vai encontrar sua alma gemia em alguma literatura barata, escrita em sites obscuros por idiotas que se alegam misantropos."
Tomando essa consciência, olhei para trás, em busca de saber quem me observava. Notei que por estar na última cadeira, ninguém me observava. Somente tinha a parede do ônibus cheia de lodo.
Outra risada estrondosa eu ouvi
-" E você esta procurando alguém? Hahahaha Mero mortal! Ninguém olha para ti, você é o últimos dos humanos, o resto que apodrece fora do prato. Tu és o apêndice extraído, podre e carcomido."
E, esse ser continuou.:
-"Não fique tristinho mero mortal. Você somente entendeu tudo isso, porque tu és a renegações, somente as renegações entendem isso da podridão da vida. Tua podre rejeição, faz com que você veja a podridão de todos eles. Você poderia viver e alimentar uma fé de que alguém em outro ônibus vem na frente, imaginando que existe você exatamente igualzinho como ela quer. E, que você vai viver nessa esperança, que você ao ela encontrar vai se apaixonar na caridade de retribuir o seu amor. Ou, ninguém na verdade pode lhe imaginar, diferença para ti não vai fazer, nem muito menos para mim."
-"E como eu faço para salvar as pessoas?" Tentei indagar, mas, o ser se levantava novamente, e puxava a corda para parar o ônibus e descer. E assim, se foi, como um mestre chinês que deixa seu discípulo abandonado na hora que este faz a pergunta mais crucial.
Mas, duvido muito que aquele ser tivesse alguma resposta. Todos continuavam parados. Eles estavam todos atentos demais para mudar suas posições e ver outra coisa. Notar que o mundo era mais que aquilo que eles viviam. Alienados demais para ver se eram amados. Ignorantes de si, arrogantemente visando aquilo que não podem. Intransigentes de mais para mudar de suas colocações de olhares. E assim ficaram, eternamente observando para frente...