segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Acorrentado aos Destroços da Memória


Numa noite chuvosa todos foram embora numa retirada ardilosa. Rapidamente, grandes depósitos acoplados a enormes veículos, carregaram um a um, os mantimentos e os mandamentos. Eram homens fardados, uniformizados e treinados. Fizeram todo descarregamento de maneira sistemática, tudo muito organizado. Nenhuma resistência pode ir contra suas insistências. Tudo foi levado. E, foi acabado. Somente restaram no chão, as marcas do que outrora se marcou os símbolos do passado. Por onde se deram os passos, por onde se fixaram as marcas dos quadros. Restou apenas no chão, o registro  das lágrimas das tristezas; o suor do esforço e, e os lastros de sangue das derrotas. Restou o cupim que tomava o pouco do que ainda era vivo dos móveis de madeira envelhecidas. A poeira, e a areia, perderam suas fronteiras, agora invadiram onde era ocupado por cadeiras. Estas que eram apoio para tantos, agora são desvio na mente de poucos que recordam dessas lá.
Mergulhado nisso tudo, num colchão podre, apenas adormece um velho acorrentado as ferragens e destes aposentos. As correntes prendem com grilhões sua alma pelas pernas. Somente tem a sinfonia das torneiras mal fechadas e do mofo que consome as infiltrações. Acorda para contar suas goteiras. Corcunda, idoso e caquético. Com sua barba e cabelos desregulados e apenas uma roupa que restou no seu couro. Anda por entre os cômodos, observando cada lugar que foi outrora seu. Por todo tempo, consegue visualizar a presença de todos eles lá. E não consegue atravessar como se não tivesse no mesmo lugar que antes tiveram.
Agora ele não é mais morador, apenas um invasor. Abandonado. Sobe entre as escadas, cada degrau da escada que te leva para a sua jaula. Conhece cada aposento do seu passado. O passo de subida pela escadaria significa uma Era que se degenera no outro passo. Cada passo é uma memória em descompasso, lembrada pelos rangidos dos seus joelhos a marca sonora da maldição de sua futura morte. Puxa sua corrente com seu moribundo avanço de suas pernas tortas.
Agora tudo trancado e fechado, o sol não nasce mais nesse lugar. Para o Sheol está condenado. Contudo, é por pouco tempo. Logo a tropa que tudo tirou vai expulsá-lo para o fogo do Gehenna. Dessa forma, sua alma logo há de queimar, e para sempre, desparecer.
Enquanto isso não acontece, o velho dorme. Profundamente, e possui a tranqüilidade nos destroços de suas memórias acorrentadas. Eis que surge o mostro aterrador que sempre persegue-o nos sonhos. Seus cabelos vermelhos permanecem esparramados e olhos fechados, encontra-se acorrentado ao lado do velho. O mostro de cabelos escarlate é um eterno cego do ego. O velho não pode, mas gostaria de adormecer para sempre em sua carcomida cama infestadas de cupins, apenas alimentado pela esperança de morrer. As memórias de seu último cárcere, a carne, morrem com ele. Junto dele, o mostro escarlate da morte lhe aguarda. Afinal o sono é irmão da morte...

Um comentário:

  1. Acorrente-se mas não sucumba a tortura!
    Cria forcas exalando todo resto de memória que paira no ar!
    Nada tira o vínculo eterno....

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